"Morro de medo de solidão / a que certos intelectuais precisam se entregar / para produzir alguma coisa mais ou menos profunda / Ficar um dia sozinho me leva à loucura / convívio social também / Ao mesmo tempo eu temo a loucura e / vou vivendo assim / feito uma bola entre duas raquetes de / frescobol".
Esses versos confessionais, escritos por Cazuza em 1989, ao mesmo tempo contrastam e confirmam o clima da casa de sua família em Petrópolis, no Rio de Janeiro, descrito por Lucinha Araújo, mãe do cantor.
O artista, morto há 34 anos, chamava o local de Cineac Trianon, nome que escolheu para dar título ao poema —inédito em sua integralidade até agora.
"Naquela época, era muita boemia", diz Lucinha. "O João [Araújo, pai do cantor e criador da gravadora Som Livre] trabalhava com música, e a gente recebia muitos artistas na casa. Ninguém dormia, ficava todo mundo cantando e tocando violão, e o Cazuza vendo tudo isso com uns 12 ou 13 anos."
Em "Cineac Trianon", um dos 27 poemas inéditos de "Meu Lance é Poesia", livro lançado pela WMF Martins Fontes com toda antologia de Cazuza, o artista medita sobre questões existenciais, felicidade e tristeza, loucura e sanidade, e a escrita como veículo de tudo isso. É uma das obras reveladas agora que expandem o entendimento do ex-vocalista do Barão Vermelho como poeta, para além de grande letrista e cantor.
"O que mais me chamou a atenção são esses poemas mais longos, caso do ‘Cineac Trianon’, que é enorme, tem umas sete páginas", diz Ramon Nunes Mello, que organizou esse e outro livro lançado agora pela mesma editora, "Protegi Teu Nome por Amor", com mais de 700 fotografias de Cazuza. "É uma outra abordagem, que muita gente não conhece."
Em "Meu Lance é Poesia", Cazuza surge paradoxal, à flor da pele, por inteiro. Há referências ao rock e à poesia beat, paixões intensas e alucinantes, flertes em bares e nas ruas, desejo sexual, seu deboche típico da caretice, alteração de consciência através das drogas, denúncia da hipocrisia à brasileira, a expressão do sentimento de uma geração, a vida em perspectiva após o diagnóstico de HIV.