Há quem diga que o Deep Purple já deveria ter se aposentado, como se bastasse o fato dessa banda britânica ter feito parte da turma setentista que solidificou o hard rock e o heavy metal, ou como se bastassem o hit "Smoke on the Water" e os álbuns "In Rock" e "Machine Head". Quem abrir a mente, encontrará ao menos um pouco de revitalização enérgica no 23º álbum dos velhinhos: "=1", o quinto com a produção polida de Bob Ezrin.
Ian Gillan brincou mais com as métricas e outras possibilidades da sua desgastada voz anasalada, e ousou soar jovial e malandro em muitas das novas letras. Ian Paice continuou fazendo rufar as suas sempre frescas variações de bateria. Roger Glover fez o seu baixo "jogar para o grupo". Don Airey elaborou teclados mais exóticos e menos reminiscentes do saudoso Jon Lord. Já o novo guitarrista Simon McBride, desprovido da autenticidade dos ex-membros Ritchie Blackmore e Steve Morse, criou riffs e solos firmes.
"Show Me", "A Bit on the Side", e "Sharp Shooter", são uma ótima entrada: voz maliciosa, letras safadas, peso cadenciado ou suíngue pulsante, e o início das conversações entre guitarras e teclados.
"Portable Door" possui uma letra enigmática sobre o ato de evitarmos aporrinhações, e remete à 'bluesy' e melódica "Pictures of Home".
"Old-Fangled Thing" é um boogie rock sensual, acelerado, e dotado de pequenas surpresas estruturais.
A lenta e linda "If I Were You", que aborda a resignação, recupera o ‘feeling’ da fase do Morse.
"Pictures of You", uma crítica às atuais falsas aparências, pode soar estranha em termos de harmonias.
"I'm Saying Nothin'", boa ode ao silêncio, passará batida para muita gente.
A excelente "Lazy Sod", que aborda a preguiça frente a problemas mundiais, parece um blues rock do "Fireball".
A veloz e arrepiante "Now You're Talkin'" traz os turbilhões mentais e uns berros inesperados de Gillan.
"No Money to Burn", com o seu otimismo brincalhão, soaria bem num bar.
A lenta e afetiva "I'll Catch You" é embebida por vocais e solos "doloridos".
Por fim, o hard rock progressivo e intrincado "Bleeding Obvious" nos incentiva, paradoxalmente, a encararmos com simplicidade o nosso mundo complicado.
Através de 13 dignas canções, o Deep Purple mostra que existe tesão na terceira idade, e exige que esqueçamos por ora a sua própria idade.